segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Consciência Negra



 “A cada novo 20 de novembro, Zumbi se espraia, amplia o seu território na consciência nacional, empurra para os subterrâneos da história seus algozes, que fora foram travestidos de heróis.                                                                                                                                    Sueli Carneiro

    Esta semana se comemora a "Consciência Negra". É uma semana para repensarmos o que este termo realmente significa na nossa vida e no dia a dia. Como militante do movimento Hip Hop (Questão Ideológica), estudante e pesquisadora,  penso que refletir sobre a consciência negra vai muito além do auto reconhecimento da minha pessoa como negra, mas o assumir dessa consciência  se revela diariamente na minha fala, na minha presença em lugares, onde não é muito comum a presença de negras(os) (principalmente negras) em outra posição que não a de subalterna(o).
    Às vezes, é preciso desculpar-me por estar nesses locais, as pessoas me olham estranho. É necessário a todo momento me valer da posição ocupada na sociedade para pedir "permissão" de estar em lugares considerados da alta sociedade, ou  até mesmo lugares de classe média, que são considerados da classe alta.
    O que é ser negro no Brasil? O que é ser negro em meu país? O que é ser mulher e ainda por cima, negra, no Piauí? Sempre me questiono sobre a posição que ocupo em minha sociedade. Essa posição foi conseguida a duras lutas. Como me orgulho de hoje ser uma estudante universitária, de ser uma militante/pesquisadora de literatura negra das Américas. Todavia, a minha luta é muitas vezes invisível, nem sequer é vista pelas pessoas, que sem querer praticam atos de racismo e preconceito comigo e com meus pares dentro da academia, na rua, em casa, entre "amigos", no ônibus.
   Aí você pode pensar e se perguntar: essa mulher vê racismo em todo lugar??? A minha resposta é sim. O racismo existe, mesmo que de forma inconsciente dentro da nossa cultura e ele está em todo lugar. Está entranhado, na nossa fala, no nosso discurso anti-racista, na militante (eu), que luta contra ele. Sim, o preconceito e o racismo fazem parte da nossa educação e nós praticamos, mesmo sem perceber a todo momento. Quando olhamos na rua um negro mal vestido que se aproxima de nós, muitas vezes para pedir esmola e temos medo de sermos roubadas(os). Quando uma pessoa negra que entra no ônibus suada, com roupas velhas e senta a seu lado e você sente aquele nojo, misturado com receio de encostar na pessoa. Quando alisamos nosso cabelo. Isso é racismo! Quando pensamos e nos damos conta de que ser chamado de negra(o) pode ser um ato de preconceito racial!!!!
   Neste dia 20 de novembro, vamos pôr a mão na consciência e avaliarmos a nós mesmos. Ao invés de apontar o dedo para o outro, vamos apontar o dedo para nós mesmas(os). Vamos valorizar a nossa cultura, as(os) nossas(os) escritoras e escritores negras e negros, nossas historiadoras e historiadores negras, nosso passado em comum, na África, no navio negreiro, na senzala, os nomes dos nossos antepassados, que foram arrancados de nós e substituídos por nomes europeus.
   Não defendo a luta do negro contra o branco, defendo a luta do negro contra o racismo e a favor de si mesmo. Este racismo está dentro dos  pensamentos, das reações e das atitudes. Vamos nos unir irmãs e irmãos de origem negra, indígena e branca. Unidos já estamos no sangue, mas é preciso termos a consciência, e esta, não pertence só a pessoa negra, mas a toda(os). Não há ninguém puro no Brasil, a pele  mais clara simboliza mais proximidade do descendente europeu, mas não necessariamente garante que o sangue deva ser puro. Aliais, o que é pureza em um país tão híbrido, tão crioulo?
   Será que consciência negra é ouvir músicas de origem da cultura afrodescendente? É dançar nossa música? É ler literatura (de nêgo)? É vestir-se com roupas que são inspiradas na cultura afro? É só isso?
   Vamos pensar nas(os) nossas irmãs(os) negras(os) que ainda continuam ocupando os postos de trabalho menos valorizados da sociedade: as lavadeiras, as merendeiras, as babás, as empregadas domésticas, as cozinheiras, as quituteiras, as vendedoras, etc. Vamos pensar nos nossos irmãos negros que estão nas obras trabalhando como pedreiros, como peões, como lavradores  e trabalhadores braçais, pessoas que limpam os nossos banheiros, nosso lixo, enfim, pessoas que ocupam os postos de trabalho menos valorizados. Essas pessoas merecem ser homenageadas neste dia. Essas pessoas conhecem na prática que é ser negra(o) no Brasil e no Piauí, porém essas pessoas dificilmente vão adquirir esta consciência. Então, cabe a nós, que lemos, que estudamos, que nos consideramos melhores intelectualmente, financeiramente e socialmente, respeitarmos essas(es) guerreiras e guerreiros. Cabe a nós, professoras e professores, tentarmos contribuir para que cada vez mais essas pessoas terminem seus estudos e ingressem em um curso superior.
   É preciso termos a consciência do respeito a(o) cidadã(o) negra(o) brasileira(o)! Esta é a verdadeira Consciência Negra!

   

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A saga do ônibus em Teresina

  
   Quando escrevo a palavra saga, afirmo que com certeza essa a primeira de muitas postagens que virão. Se você me perguntar o porquê, eu te responderei: - Grande parte das cenas de racismo mais fortes que eu presenciei na cidade onde vivo aconteceram dentro do ônibus coletivo.
   Hoje ao retornar de um exame no SUS que não deu certo, pois havia faltado luz e água no hospital. O exame ficou marcado para daqui a um mês. Se eu tivesse que morrer, não esperaria mais um mês por um exame. Enfim, ao entrar no ônibus, dirigi-me para o fundo onde havia um assento desocupado ao lado de um adolescente negro. Logo ao sentar-me notei que ele estava acompanhado de um amigo, sentado na última fileira do ônibus e meu assento ficava na frente do dele. Logo notei que os dois começaram a sorrir quando me viram chegar e sentar, olhavam para mim e sorriam, disfarçando com brincadeirinhas e piadas sem nexo.
   Eu fiquei calma, na medida do possível, pois sei que nessa idade tudo é motivo para piada. Os dois rapazes eram afrodescendentes e começaram a mexer com as pessoas que estavam fora do ônibus na calçada. De repente, eles viram um jovem negro do lado de fora e gritaram: - Ei nêgo feio!!! E deram gargalhadas. Depois um deles disse: -Ele é mais feio que o Pelé. O outro respondeu: -Parece um africano! deram mais gargalhadas. Depois um deles teve que descer do ônibus e se despediram sorrindo e se olhando.
   Eu estava lendo um livro em que o autor fala sobre a identidade afrodescendente e a problemática da construção dessa identidade em um país como o Brasil, que vive o mito da democracia racial e não consegue enxergar que o racismo existe. Comecei a pensar nas inúmeras situações que presenciei no local onde vivo e cheguei a conclusão que aqui, pelo menos em comparação com os estados e países por onde passei, o racismo é muito forte.
   Em Teresina, o racismo existe sim e você pode encontrá-lo de todas as formas: explícito, implícito e meio-termo. As pessoas te discriminam e ainda riem de você na sua cara. Algumas pessoas as vezes me dizem que eu vejo racismo em todo lugar, mas é verdade, ele está em todo lugar, só muda de receptor e destinatário. 
   No interior do estado, a discriminação racial pode ser ainda bem pior, pois se existe aqui na capital, onde as pessoas ainda podem encontrar mais pessoas que assumem sua identidade afrodescendente, imagine no interior, onde as pessoas têm a mente mais fechada e estão mais presas na tradição do preconceito descarado, em forma de piadas e musiquinhas preconceituosas.
    Outro dia, dentro do ônibus novamente, eu me sentei do lado da janela e a cadeira ao lado ficou vazia. Duas mulheres aparentemente brancas passaram a catraca e foram até o local em que eu estava sentada e uma delas ocupou o assento ao meu lado. Só que ela se esqueceu de olhar primeiramente para mim antes de se sentar. Quando de repente ela olhou para o lado e fez uma cara de espanto, olhou para a outra mulher que esta próxima a ela em pé com um semblante assustado e levantou-se da cadeira. Eu fiquei olhando para ela, que me ignorou, nem sequer teve coragem de olhar para mim. Fez uma cara de nojo e seguiu todo o trajeto em pé. Logo depois sentou-se ao meu lado uma mulher com características afrodescendentes, e a viagem transcorreu normal até o seu destino. 
   Eu, calada estava e assim permaneci, refletindo sobre o significado  deste episódio em minha vida. Lembrei da África do Sul na época do Apartheid, senti-me lá. Como é triste conviver no século XXI com pessoas que tem a mente situada na época da escravidão. Um amigo meu estrangeiro em visita ao Piauí, neste ano, disse-me que as pessoas daqui tinham uma mentalidade parecida com a dos Estados Unidos no século XIX.
    Vou terminando por aqui, preciso pensar mais sobre o assunto, ler mais sobre o assunto e quem sabe ler um romance estadunidense do século XIX para tentar entender como funciona o racismo por aqui. Mas, não posso deixar de considerar que vivemos no século XXI em um "país tropical, abençoado por Deus", segundo Jorge Ben. Aqui não existe "racismo", pois somos a mais bela miscigenação do mundo: a das três raças.....hahahahha... Que piada!

  


 

domingo, 25 de agosto de 2013

Um caso de dicriminação em dose dupla

  



  Começar a escrever nem sempre é fácil, na verdade, o começar é a parte mais árdua e difícil. Essa é minha primeira postagem neste blog, criei coragem e parei de esperar alguma acontecimento macabro para começar a escrever.
   Tudo começou quando eu fui convidada por uma aluna do curso de Direito para  falar sobre minha experiência com o racismo em minha vida na minha cidade e nos outros lugares onde passei. Fui até a faculdade de classe média alta e alta em um bairro nobre da cidade.
   Convidei um amigo meu para me acompanhar à faculdade e o seminário transcorreu muito bem, além do que eu esperava. As perguntas foram muito bem elaboradas e os alunos observavam e escutavam com muita atenção a minha história de vida. Na turma havia dois negros, uma garota e um garoto, eles me olhavam admirados, pois eu fui de cabelo solto, "black power" armado para a batalha.
  O professor interrompeu minha fala para relatar um caso de racismo em um shopping da cidade: um negro bem-sucedido havia comprado um carro importado e fora ao shopping pegar a esposa, ao sair do carro, dois seguranças se aproximaram, perguntando se o carro pertencia a ele e ele respondeu que sim e saiu. Ao voltar com sua esposa, após algum tempo, estavam a sua espera dois policiais, que não quiseram escutar nada nem olhar os documentos do proprietário do carro, simplesmente algemaram-no e o levaram à delegacia.
   Chegando na delegacia o acusado entrou em contato com o advogado, o professor que nos contava o relato, e narrou o ocorrido. O advogado dirigiu-se à delegacia e simplesmente exigiu que fossem retirados os documentos  do acusado, que estavam dentro do carro, apresentando-os ao delegado, que se desculpou logo em seguida e soltou o "preso". O professor, da disciplina em questão, manifestou sua indignação diante de tal fato ter ocorrido em pleno século XXI, em uma cidade como Teresina, uma capital, que segundo o censo ocorrido em 2007, possui 822.363 habitantes.
   Ao terminar o seminário, os alunos nos conduziram de volta à universidade, onde eu ia ministrar aula de Redação no Pré-Vestibular. Terminando minha aula, dirigi-me a parada de ônibus, onde peguei um coletivo para retornar à minha casa. As pessoas do ônibus, me olhavam com curiosidade, pois não é comum se andar com o cabelo "black power" em Teresina, apesar de algumas pessoas se assumirem negras e adotarem esse visual, a maior parte da população ainda estranha esse comportamento e olha com curiosidade, deboche, surpresa e raras vezes: admiração.
   Infelizmente, ao chegar relativamente próximo a minha casa, eu estava sentada do lado da janela, o ônibus parou, devido ao tráfego interrompido e  algumas crianças que estavam na rua começaram a gritar e dar gargalhadas. Elas diziam: - Olha só aquela "nêga" do cabelo de bombril... Vai cortar esse teu cabelo...Tá ridículo....risadas e mais risadas... Eles me olhavam, gritavam e davam gargalhadas. Mais uma vez isso estava acontecendo comigo, só que havia uma diferença: eu não era mais criança e não ia gritar e sair na porrada. 
   O que fazer? Gritar com eles? Falar algo para as pessoas do ônibus que me olhava e as outras que olhavam para o lado fingindo não ver? Não fiz nada, não falei nada, simplesmente fiquei calada, olhei para eles bem séria de cabeça erguida e o motorista finalmente acelerou e o ônibus saiu do lugar. Fiquei revoltada, mandei uma mensagem para uma amiga contando o que aconteceu e ela tentou me acalmar, enfim, eu engoli aquelas palavras sem falar nada, mas hoje penso que eu deveria ter falado algo para aqueles meninos; ter gritado algo contra aquelas palavras horríveis e preconceituosas; ter dito algo para aqueles que me olhavam no ônibus.
    Mas sei que tornar-se negra é um processo e eu estou inserida nele. Da próxima vez será diferente, já estou um pouco mais madura. Sei que devo falar algo esboçar alguma reação, pois estamos em país onde sou livre, não estou mais na senzala e tenho meus direitos. Não tolero racismo e  preconceito! Teresina, assim como o Brasil, precisa mudar. Já vivenciei vários tipos de racismo e afirmo que aqui o racismo é muito cruel e as pessoas ainda têm a mente muito fechada; é necessário um trabalho muito sério de desconstrução dos preconceitos que vivencio aqui, dentro e fora de casa.
   Quero muito poder contribuir para mudar um pouco dessa mentalidade daqui. Minha mãe diz que não posso mudar o mundo, mas penso que posso mudar pelo menos um pouco, fazer a minha parte. E você? Você pode fazer algo para mudar uma situação de racismo e preconceito onde você vive? Então faça, pois nada cai do céu, apenas chuva ou neve e isso tá difícil aqui em Teresina.

Preta Lu
26/08/2013