“A cada novo 20 de novembro, Zumbi se espraia, amplia o seu território
na consciência nacional, empurra para os subterrâneos da história seus
algozes, que fora foram travestidos de heróis. Sueli Carneiro
Esta semana se comemora a "Consciência Negra". É uma semana para repensarmos o que este termo realmente significa na nossa vida e no dia a dia. Como militante do movimento Hip Hop (Questão Ideológica), estudante e pesquisadora, penso que refletir sobre a consciência negra vai muito além do auto reconhecimento da minha pessoa como negra, mas o assumir dessa consciência se revela diariamente na minha fala, na minha presença em lugares, onde não é muito comum a presença de negras(os) (principalmente negras) em outra posição que não a de subalterna(o).
Às vezes, é preciso desculpar-me por estar nesses locais, as pessoas me olham estranho. É necessário a todo momento me valer da posição ocupada na sociedade para pedir "permissão" de estar em lugares considerados da alta sociedade, ou até mesmo lugares de classe média, que são considerados da classe alta.
O que é ser negro no Brasil? O que é ser negro em meu país? O que é ser mulher e ainda por cima, negra, no Piauí? Sempre me questiono sobre a posição que ocupo em minha sociedade. Essa posição foi conseguida a duras lutas. Como me orgulho de hoje ser uma estudante universitária, de ser uma militante/pesquisadora de literatura negra das Américas. Todavia, a minha luta é muitas vezes invisível, nem sequer é vista pelas pessoas, que sem querer praticam atos de racismo e preconceito comigo e com meus pares dentro da academia, na rua, em casa, entre "amigos", no ônibus.
Aí você pode pensar e se perguntar: essa mulher vê racismo em todo lugar??? A minha resposta é sim. O racismo existe, mesmo que de forma inconsciente dentro da nossa cultura e ele está em todo lugar. Está entranhado, na nossa fala, no nosso discurso anti-racista, na militante (eu), que luta contra ele. Sim, o preconceito e o racismo fazem parte da nossa educação e nós praticamos, mesmo sem perceber a todo momento. Quando olhamos na rua um negro mal vestido que se aproxima de nós, muitas vezes para pedir esmola e temos medo de sermos roubadas(os). Quando uma pessoa negra que entra no ônibus suada, com roupas velhas e senta a seu lado e você sente aquele nojo, misturado com receio de encostar na pessoa. Quando alisamos nosso cabelo. Isso é racismo! Quando pensamos e nos damos conta de que ser chamado de negra(o) pode ser um ato de preconceito racial!!!!
Neste dia 20 de novembro, vamos pôr a mão na consciência e avaliarmos a nós mesmos. Ao invés de apontar o dedo para o outro, vamos apontar o dedo para nós mesmas(os). Vamos valorizar a nossa cultura, as(os) nossas(os) escritoras e escritores negras e negros, nossas historiadoras e historiadores negras, nosso passado em comum, na África, no navio negreiro, na senzala, os nomes dos nossos antepassados, que foram arrancados de nós e substituídos por nomes europeus.
Não defendo a luta do negro contra o branco, defendo a luta do negro contra o racismo e a favor de si mesmo. Este racismo está dentro dos pensamentos, das reações e das atitudes. Vamos nos unir irmãs e irmãos de origem negra, indígena e branca. Unidos já estamos no sangue, mas é preciso termos a consciência, e esta, não pertence só a pessoa negra, mas a toda(os). Não há ninguém puro no Brasil, a pele mais clara simboliza mais proximidade do descendente europeu, mas não necessariamente garante que o sangue deva ser puro. Aliais, o que é pureza em um país tão híbrido, tão crioulo?
Será que consciência negra é ouvir músicas de origem da cultura afrodescendente? É dançar nossa música? É ler literatura (de nêgo)? É vestir-se com roupas que são inspiradas na cultura afro? É só isso?
Vamos pensar nas(os) nossas irmãs(os) negras(os) que ainda continuam ocupando os postos de trabalho menos valorizados da sociedade: as lavadeiras, as merendeiras, as babás, as empregadas domésticas, as cozinheiras, as quituteiras, as vendedoras, etc. Vamos pensar nos nossos irmãos negros que estão nas obras trabalhando como pedreiros, como peões, como lavradores e trabalhadores braçais, pessoas que limpam os nossos banheiros, nosso lixo, enfim, pessoas que ocupam os postos de trabalho menos valorizados. Essas pessoas merecem ser homenageadas neste dia. Essas pessoas conhecem na prática que é ser negra(o) no Brasil e no Piauí, porém essas pessoas dificilmente vão adquirir esta consciência. Então, cabe a nós, que lemos, que estudamos, que nos consideramos melhores intelectualmente, financeiramente e socialmente, respeitarmos essas(es) guerreiras e guerreiros. Cabe a nós, professoras e professores, tentarmos contribuir para que cada vez mais essas pessoas terminem seus estudos e ingressem em um curso superior.
É preciso termos a consciência do respeito a(o) cidadã(o) negra(o) brasileira(o)! Esta é a verdadeira Consciência Negra!