domingo, 25 de agosto de 2013

Um caso de dicriminação em dose dupla

  



  Começar a escrever nem sempre é fácil, na verdade, o começar é a parte mais árdua e difícil. Essa é minha primeira postagem neste blog, criei coragem e parei de esperar alguma acontecimento macabro para começar a escrever.
   Tudo começou quando eu fui convidada por uma aluna do curso de Direito para  falar sobre minha experiência com o racismo em minha vida na minha cidade e nos outros lugares onde passei. Fui até a faculdade de classe média alta e alta em um bairro nobre da cidade.
   Convidei um amigo meu para me acompanhar à faculdade e o seminário transcorreu muito bem, além do que eu esperava. As perguntas foram muito bem elaboradas e os alunos observavam e escutavam com muita atenção a minha história de vida. Na turma havia dois negros, uma garota e um garoto, eles me olhavam admirados, pois eu fui de cabelo solto, "black power" armado para a batalha.
  O professor interrompeu minha fala para relatar um caso de racismo em um shopping da cidade: um negro bem-sucedido havia comprado um carro importado e fora ao shopping pegar a esposa, ao sair do carro, dois seguranças se aproximaram, perguntando se o carro pertencia a ele e ele respondeu que sim e saiu. Ao voltar com sua esposa, após algum tempo, estavam a sua espera dois policiais, que não quiseram escutar nada nem olhar os documentos do proprietário do carro, simplesmente algemaram-no e o levaram à delegacia.
   Chegando na delegacia o acusado entrou em contato com o advogado, o professor que nos contava o relato, e narrou o ocorrido. O advogado dirigiu-se à delegacia e simplesmente exigiu que fossem retirados os documentos  do acusado, que estavam dentro do carro, apresentando-os ao delegado, que se desculpou logo em seguida e soltou o "preso". O professor, da disciplina em questão, manifestou sua indignação diante de tal fato ter ocorrido em pleno século XXI, em uma cidade como Teresina, uma capital, que segundo o censo ocorrido em 2007, possui 822.363 habitantes.
   Ao terminar o seminário, os alunos nos conduziram de volta à universidade, onde eu ia ministrar aula de Redação no Pré-Vestibular. Terminando minha aula, dirigi-me a parada de ônibus, onde peguei um coletivo para retornar à minha casa. As pessoas do ônibus, me olhavam com curiosidade, pois não é comum se andar com o cabelo "black power" em Teresina, apesar de algumas pessoas se assumirem negras e adotarem esse visual, a maior parte da população ainda estranha esse comportamento e olha com curiosidade, deboche, surpresa e raras vezes: admiração.
   Infelizmente, ao chegar relativamente próximo a minha casa, eu estava sentada do lado da janela, o ônibus parou, devido ao tráfego interrompido e  algumas crianças que estavam na rua começaram a gritar e dar gargalhadas. Elas diziam: - Olha só aquela "nêga" do cabelo de bombril... Vai cortar esse teu cabelo...Tá ridículo....risadas e mais risadas... Eles me olhavam, gritavam e davam gargalhadas. Mais uma vez isso estava acontecendo comigo, só que havia uma diferença: eu não era mais criança e não ia gritar e sair na porrada. 
   O que fazer? Gritar com eles? Falar algo para as pessoas do ônibus que me olhava e as outras que olhavam para o lado fingindo não ver? Não fiz nada, não falei nada, simplesmente fiquei calada, olhei para eles bem séria de cabeça erguida e o motorista finalmente acelerou e o ônibus saiu do lugar. Fiquei revoltada, mandei uma mensagem para uma amiga contando o que aconteceu e ela tentou me acalmar, enfim, eu engoli aquelas palavras sem falar nada, mas hoje penso que eu deveria ter falado algo para aqueles meninos; ter gritado algo contra aquelas palavras horríveis e preconceituosas; ter dito algo para aqueles que me olhavam no ônibus.
    Mas sei que tornar-se negra é um processo e eu estou inserida nele. Da próxima vez será diferente, já estou um pouco mais madura. Sei que devo falar algo esboçar alguma reação, pois estamos em país onde sou livre, não estou mais na senzala e tenho meus direitos. Não tolero racismo e  preconceito! Teresina, assim como o Brasil, precisa mudar. Já vivenciei vários tipos de racismo e afirmo que aqui o racismo é muito cruel e as pessoas ainda têm a mente muito fechada; é necessário um trabalho muito sério de desconstrução dos preconceitos que vivencio aqui, dentro e fora de casa.
   Quero muito poder contribuir para mudar um pouco dessa mentalidade daqui. Minha mãe diz que não posso mudar o mundo, mas penso que posso mudar pelo menos um pouco, fazer a minha parte. E você? Você pode fazer algo para mudar uma situação de racismo e preconceito onde você vive? Então faça, pois nada cai do céu, apenas chuva ou neve e isso tá difícil aqui em Teresina.

Preta Lu
26/08/2013
  
 

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